RECOMENDAÇÕES AOS ASSISTENTES SOCIAIS DA PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE DA SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DO RIO DE JANEIRO DIANTE DO PLANO VERÃO/SUBPSE/SMDS

 

Na data de 08 de outubro de 2015, na sede do Conselho Regional de Serviço Social/ 7ª Região, assistentes sociais da Política de Assistência Social do Rio de Janeiro (SMDS), atuantes da Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, se reuniram a fim de debater as condições do trabalho (objetivas, éticas e técnicas) que tem sido executado pelos profissionais que compõem as equipes técnicas dos CREAS, Abrigos e equipamentos de acolhimento, Centros de População de Rua, CIACA e Centrais de Recepção. A reunião contou com a presença e apoio de entidades reconhecidas pelo seu trabalho na luta em defesa dos direitos humanos e da qualidade dos serviços prestados pelas diferentes políticas sociais e públicas, assim como pelas condições do trabalho exercido pelos profissionais de diferentes categorias que se encontram na execução dos programas e projetos sociais: Conselho Regional de Serviço Social/RJ; Conselho Regional de Psicologia/RJ; Comissão de Direitos Humanos da ALERJ; Comitê Estadual para a Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro; Mecanismo Estadual para a Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro; Movimento Moleque: Movimento de Mães pelos Direitos dos Adolescentes no Sistema Socioeducativo.

De início se faz necessário destacar que tal reunião é legítima, visto os direitos fundamentais – de livre manifestação de pensamento, de livre atividade intelectual e de livre reunião independentemente de autorização – garantidos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Além disso, seu objetivo maior é o de prevenir possíveis violações éticas e o de garantir a qualidade do atendimento prestado por assistentes sociais da política de assistência social aos moradores da cidade do Rio de Janeiro.

A reunião contou com profissionais, entidades e militantes em defesa dos direitos humanos, em virtude das ameaças aos direitos fundamentais impostas pelo Estado com suas políticas restritivas, militarizadas e de criminalização da classe trabalhadora e dos segmentos jovens das regiões periféricas que frequentam as praias da zona sul carioca.

Estiveram presentes mais de 30 profissionais e se debateu, dentre outros temas, os impactos nocivos do “Plano Verão”, criado pela SMDS/RJ, e o ordenamento de ações imediatistas e sem planejamento de segmentos da política municipal de assistência social. A proposta de tal Plano, criada única e exclusivamente pelos gestores da Subsecretaria de Proteção Social Especial (sem qualquer participação das equipes técnicas que estão na execução dos diferentes programas e serviços sociais), vem repercutindo negativamente nos atendimentos e nos acompanhamentos de assistentes sociais e outros profissionais às famílias, nos diferentes equipamentos públicos que compõem a proteção social de média e alta complexidade na cidade do Rio de Janeiro, o que se demonstra nas reflexões que apresentaremos nesta nota.

Com a finalidade de construirmos uma reflexão coletiva e crítica a respeito, se faz necessário um resgate da recente história que culminou com a proposta de tal ação:

Depois de ações denominadas “arrastões” na orla da cidade do Rio de Janeiro no mês de setembro, o Governo do Estado e a Prefeitura do RJ se unem a fim de dar respostas à parte da sociedade e à grande mídia do que os governos estariam fazendo para coibir tais ações. Assim, no fim do mês de setembro, iniciam-se ações nas quais Policiais Militares abordavam e recolhiam compulsoriamente crianças e adolescentes negros e pobres em transportes coletivos, oriundos do subúrbio, favelas e bairros pobres da região metropolitana do Estado (em especial, Jacarezinho, Manguinhos, Maré, Alemão, Mangueira e baixada Fluminense) e que seguiam em direção às praias da zona sul.

“Arrastões”, assaltos, roubos, furtos e outras atividades ilícitas não são atos exclusivos dos segmentos empobrecidos da classe trabalhadora, ou seja, de crianças e adolescentes (em sua maioria negros), e sendo assim, a fim de cumprir uma recomendação dos veículos de comunicação e de moradores da região, as ações da Secretaria de Segurança Pública foram iniciadas de maneira preconceituosa e higienista. Seu foco foi direcionado à prevenção de crimes ou no cerceamento da liberdade de ir e vir e do acesso à cidade de determinados grupos sociais e, afirmamos isso questionando: por que as abordagens policiais foram somente em ônibus oriundos de determinados bairros? Por que somente adolescentes pobres e em sua maioria negros abordados, retirados de ônibus e conduzidos, obrigatoriamente, às delegacias e abrigos, sem qualquer indício de ato infracional cometido?

A partir de tais ações, o Secretário de Segurança do Rio de janeiro proferiu uma série de discursos na mídia, afirmando que tais ações da Polícia Militar contra crianças e adolescentes pobres aconteceriam em decorrência, em sua maioria, pela “vulnerabilidade social” em que estes sujeitos se encontravam: 1) por não portar documentos; 2) por não estarem acompanhados por seus responsáveis; 3) por estarem sem camisa e de chinelos. Visto que crianças e adolescentes têm o direito de circular pela cidade e, aquelas com menos de 10 anos de idade, se estiverem desacompanhadas não podem frequentar espetáculos teatrais e de cinemas, mas podem (e devem) ter acesso a qualquer espaço público; visto que nenhuma criança ou adolescente abordado ou recolhido compulsoriamente era morador da zona sul, da zona oeste ou pertencia às famílias de classe média ou alta; as declarações do Secretário de Segurança e as ações, subsequentes, da Polícia Militar, evidenciam um apartheid na cidade do Rio de Janeiro que tem violado direitos fundamentais conquistados arduamente, como direito de ir e vir, lazer e cultura, e desrespeitando a condição peculiar de desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Além disso, as ações de segurança voltadas para a sustentação de um modelo de cidade comprometido com os interesses comerciais de empresários de vários ramos e setores ligados ao turismo, priorizam, ao invés da democratização dos espaços sociais da cidade, a realização de megaeventos (como Pan Americano/ 2007, Rio Mais 20 /2012, Jornada Mundial da Juventude/ 2013, Copa do Mundo/ 2014 e Olimpíadas/ 2016), demonstrando a articulação de diferentes instâncias governamentais na implementação de uma lógica têm aviltado os direitos fundamentais da população desse Estado.

A articulação entre segurança pública e assistência social, atrelada a opressão midiática voltada ao controle e vigilância dos segmentos das denominadas “classes perigosas” não condiz com os princípios e preceitos da Constituição Federal de 1988 e demais ordenamentos jurídicos brasileiros e internacionais: 1) A Carta Magna traz uma nova concepção para a assistência social brasileira, ao incluí-la no âmbito da Seguridade Social e considerada um direito do cidadão e um dever do Estado; 2) A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS 1993) afirma que um dos objetivos da assistência social é a proteção social (que visa à garantia da vida, à redução de danos), a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, a vigilância socioassistencial (que visa a analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos), a defesa de direitos (que visa a garantir o pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões socioassistenciais,) promovendo a universalização dos direitos sociais; 3) A Política Nacional de Assistência Social (PNAS 2004) se compromete aos princípios democráticos de respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade. Tem a premissa de assegurar a igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, sendo a organização da política construída com a participação da população na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis, e centralidade na família para concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos. Além disso, seu objetivo é contribuir com a inclusão e a equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais, sendo composta de proteções afiançadas – proteção social básica e proteção social especializada.

E, no âmbito da Proteção Social Especial, a PNAS destaca que esta comporta a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras. São serviços que requerem acompanhamento individual e maior flexibilidade nas soluções protetivas, encaminhamentos monitorados, apoios e processos que assegurem qualidade na atenção protetiva e efetividade na reinserção almejada, através de ações como Serviço de orientação e apoio sociofamiliar, Plantão Social, Abordagem de Rua, Cuidado no Domicílio, Serviço de Habilitação e Reabilitação na comunidade das pessoas com deficiência e Medidas socioeducativas em meio aberto.

Neste sentido, observa-se que o pragmatismo da Subsecretaria de Proteção Especial da SMDS/ RJ, ao criar o “Plano Verão”, atende ao clamor midiático e conservador destinado ao controle dos pobres e negros moradores da cidade, em consonância a proposta de criminalização implementada pela Política de Segurança do Estado do Rio de Janeiro. Não há, nessa proposta, o compromisso com a cidadania ou manutenção do que preconizam os ordenamentos jurídicos que dão base à assistência social, ou seja, uma política comprometida com programas, projetos, ações e intervenções profissionais multidisciplinares de atendimentos qualificados, pautados no sigilo, na multidisciplinaridade, no acompanhamento e no encaminhamento qualificados das situações apresentadas, através dos equipamentos sociais existentes: CREAS, Abrigos, Centros de População de Rua, CIACA e Centrais de Recepção.

Sobre a especificidade de atuação dos assistentes sociais, não há qualquer definição de qual seria o papel do Serviço Social nos plantões nas praias, pois sua atuação compulsória não vem acompanhada de qualquer projeto interventivo construído por um assistente social da gestão.

Associado a isso, existem os questionamentos: por que somente a política de assistência social nas praias (se os direitos sociais e a seguridade social são amplos)? Por que plantão somente determinados postos e não em toda a orla do Rio de Janeiro (onde existem casos de violação de direitos)? Onde se encaixa a atuação dos Conselhos Tutelares na garantia de direitos de crianças e adolescentes? Qual a proposta da Coordenadoria de Direitos Humanos da SMDS/ RJ que, até o momento, não expressou qualquer opinião sobre a violação de direitos de crianças e adolescentes?

Outra questão delicada se refere às visitas domiciliares obrigatórias. Ora, a visita domiciliar é um dos instrumentais técnicos que qualquer profissional pode definir em sua atuação profissional, mas esta ação demanda planejamento e avaliação técnica de trabalho, pois pode ser adotada com uma finalidade invasiva e persecutória e que não pode ser realizada de forma compulsória – como solicitado pela Subsecretaria de proteção Especial da SMDS/RJ, pois podem reforçar um caráter discriminatório, classificatório e que fere o sigilo de qualquer ser humano num atendimento, como, por exemplo: solicitar nomes de adolescentes que cumprem ou não medidas socioeducativas; de pessoas que passaram ou estão reclusas no sistema penitenciário; de usuários ou pessoas envolvidas com uso de substância ilícitas e etc. Não há qualquer relevância no levantamento destas informações imediatas e, além disso, terminam por reforçar exposição, construir estigmas e ainda, a depender de quem tem acesso a essas informações, culminar em processos judiciais.

Diante de todo o exposto, seguem as RECOMENDAÇÕES AOS ASSISTENTES SOCIAIS quanto ao PLANO VERÃO DA SMDS/ RJ:

Enquanto não houver protocolo de atuação dos assistentes sociais em plantões nas praias, para atendimento e acompanhamento das situações apresentadas e/ ou identificadas, o assistente social não pode atuar nestes plantões, considerando que:

– os assistentes sociais permanecem em tendas, nas quais a SMDS/ RJ não garante as condições mínimas de exercício profissional: sigilo ao usuário, condições de higiene pessoal aos profissionais, recursos materiais necessários a atendimentos, orientações e encaminhamentos qualificados (planilhas, computador, informação sobre rede local de serviços, atuação interdisciplinar);

– os assistentes sociais seguem para um plantão sem qualquer orientação do trabalho e sem um protocolo de atendimento adequado;

– os assistentes sociais são tratados apenas como plantonistas ou recolhedores de crianças e adolescentes para quaisquer equipamentos da assistência social municipal;

– os assistentes sociais são obrigados a se ausentar de seus equipamentos de trabalho cotidiano, a partir da compensação dos dias em que estarão em atuação nas praias, o que impacta direta e negativamente na qualidade do serviço prestado visto o não acompanhamento dos casos do PAEFI e do desfalque dos plantões diários destes equipamentos, reduzindo e desqualificando o atendimento à população nos territórios;

– os assistentes sociais estão corroborando com a militarização da política de assistência social, visto o trabalho a partir da abordagem e recolhimento compulsórios de crianças e adolescentes pela Polícia Militar do Estado do Rio de janeiro, mesmo sem qualquer indício de negligência familiar ou prática de ato infracional;

A atuação dos assistentes sociais nas praias, com vias a fiscalização dos comportamentos, recolhimentos compulsórios, fere princípios e diretrizes do código de ética profissional, que expressa:

Como PRINCÍPIOS ÉTICO-POLÍTICOS profissionais: Reconhecimento da liberdade como valor ético central; Ampliação e consolidação da cidadania; Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população; Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição física.

Como DIREITOS dos assistentes sociais: garantia e defesa de suas atribuições e prerrogativas, estabelecidas na Lei de Regulamentação da Profissão e dos princípios firmados neste Código; pronunciamento em matéria de sua especialidade, sobretudo quando se tratar de assuntos de interesse da população; ampla autonomia no exercício da Profissão, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais incompatíveis com as suas atribuições, cargos ou funções; dispor de condições de trabalho condignas, seja em entidade pública ou privada, de forma a garantir a qualidade do exercício profissional;

Como DEVERES dos assistentes sociais: abster-se, no exercício da Profissão, de práticas que caracterizem a censura, o cerceamento da liberdade, o policiamento dos comportamentos, denunciando sua ocorrência aos órgãos competentes; garantir a plena informação e discussão sobre as possibilidades e consequências das situações apresentadas, respeitando democraticamente as decisões dos/as usuários/as, mesmo que sejam contrárias aos valores e às crenças individuais dos/as profissionais, resguardados os princípios deste Código; denunciar falhas nos regulamentos, normas e programas da instituição em que trabalha, quando os mesmos estiverem ferindo os princípios e diretrizes deste Código, mobilizando, inclusive, o Conselho Regional, caso se faça necessário; denunciar ao Conselho Regional as instituições públicas ou privadas, onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar os/as usuários/as ou profissionais; b- denunciar, no exercício da Profissão, às entidades de organização da categoria, às autoridades e aos órgãos competentes, casos de violação da Lei e dos Direitos Humanos, quanto a: corrupção, maus tratos, torturas, ausência de condições mínimas de sobrevivência, discriminação, preconceito, abuso de autoridade individual e institucional, qualquer forma de agressão ou falta de respeito à integridade física, social e mental do/a cidadão/cidadã; denunciar ao Conselho Regional de Serviço Social, através de comunicação fundamentada, qualquer forma de exercício irregular da Profissão, infrações a princípios e diretrizes deste Código e da legislação profissional;

É VEDADO aos assistentes sociais: transgredir qualquer preceito deste Código, bem como da Lei de Regulamentação da Profissão; praticar e ser conivente com condutas antiéticas, crimes ou contravenções penais na prestação de serviços profissionais, com base nos princípios deste Código, mesmo que estes sejam praticados por outros/as profissionais; acatar determinação institucional que fira os princípios e diretrizes deste Código; exercer sua autoridade de maneira a limitar ou cercear o direito do/a usuário/a de participar e decidir livremente sobre seus interesses; prevalecer-se de cargo de chefia para atos discriminatórios e de abuso de autoridade;

Nós, assistentes sociais, temos o respaldo de nossa Lei de Regulamentação profissional, pelo Código de Ética, pelas legislações existentes, e contamos com o apoio de diferentes entidades em defesa dos direitos humanos, que respaldam nossa NÃO ATUAÇÃO EM ATIVIDADES PRECARIZADAS, QUE NÃO CONDIZEM COM OS OBJETIVOS DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, COM O PAPEL DOS ASSISTENTES SOCIAIS E QUE NÃO GARANTEM POLÍTICAS SOCIAIS DE QUALIDADE À POPULAÇÃO.

Caso estejamos atuando construindo planos ou realizando atividades que firam direta ou indiretamente qualquer preceito ético-político profissional ou aos direitos da população, os assistentes sociais estão passíveis a denúncias éticas, inclusive por parte da população usuária, atuando em cargos de gestão ou na execução direta da política.

Por fim, vale ressaltar que nós assistentes sociais DEFENDEMOS não somente a ausência do Serviço Social nos plantões nas praias e à proposta do “Plano Verão”, mas a de quaisquer profissionais que sejam obrigados a estar num local inadequado (para si e, principalmente, para a população atendida) sem qualquer orientação de trabalho que seja condizente com sua especificidade técnica e sem qualquer vinculação com a política de Assistência Social.