O primeiro dia do seminário se encerrou com a apresentação cultural da cantora Renata Peron, mulher transexual que iniciou, apresentando a campanha “Sou Trans, quero dignidade e respeito!”. Renata é artista e estudante de Serviço Social e, como cantora, fez sua apresentação, dialogando com participantes sobre a realidade da população trans e a luta pela afirmação dos direitos e contra o preconceito. Cada vez mais, assistentes sociais trabalham com o atendimento à população LGBT, em que se incluem as mulheres transexuais, as travestis e os homens trans. As expressões de sexualidade e identidade de gênero se dão a partir da infância e adolescência. Esse foi o tema da primeira mesa ocorrida no segundo dia do Seminário Nacional “Serviço Social e Diversidade Trans: exercício profissional, orientação sexual e identidade de gênero em debate”, que terminou ontem em São Paulo, com desafios para a profissão. Sempre em articulação com outras categorias profissionais, estratégia que faz parte das ações do CFESS, a psicóloga carioca Vanessa Leite foi a primeira a falar na mesa intitulada “Sexualidade e expressões de gênero na infância e adolescência”. Segundo ela, a maioria das experiências no campo da criança e adolescência, mantém uma perspectiva ‘controlista’ das ações e abordagens. A sexualidade é abordada, quase sempre, na perspectiva do risco, e não na perspectiva de direito. “Durante a vida, somos massacrados por uma pedagogia do gênero, pela afirmação de uma heterossexualidade compulsória. No entanto, nosso papel é realizar o adequado atendimento, para que crianças e adolescentes possam fazer escolhas livres, conscientes e que garantam seu bem-estar”, afirmou a psicóloga. Segundo ela, o tema da diversidade aparece de forma muito incipiente nas políticas públicas. “É aí que entra o nosso papel: as diferenças devem ser ressaltadas e promovidas, e não utilizadas como critérios de exclusão”, completou.

Para a assistente social Elizabeth Arabage, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, uma das principais ações em sua atuação é a desnaturalização das manifestações de preconceito, utilizando-as justamente para qualificar e desmistificar o debate sobre a sexualidade e as expressões de gênero. “Na Defensoria, procuramos atuar juntamente às diversas políticas públicas: saúde, educação, assistência social, na direção de fortalecer o acolhimento, atuando nas demandas individuais, sem perder de vista o coletivo, que é marcado pelas expressões da exploração e da acumulação do capital e das desigualdades”, avaliou Elizabeth. Movimentos organizados da população trans apresentam demandas No período da tarde, o debate teve início com uma mesa especial, que trouxe representantes de movimentos sociais das pessoas trans. Intitulada “Demandas da população trans para políticas públicas e para o Serviço Social”, a mesa começou com a contribuição do coordenador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (Ibrat), Luciano Palhano. Um dos pontos ressaltados por Luciano foi a identidade do homem trans, no sentido político. “Nosso movimento entende que nem todo homem trans é transexual. Existem outros tipos de transmasculinidade. Daí a necessidade de uma separação dessa terminologia, que se origina no acúmulo do debate em nosso movimento”, afirmou ele. Outro desafio registrado pelo representante do Ibrat foi a adaptação dos homens trans às obrigações civis e militares impostas ao sexo masculino no Brasil. “Nesse sentido, não podemos ignorar que o homem trans continua refém de uma vulnerabilidade, a qual não é retirada com o processo de transexualização. Por isso, a necessidade imperativa de que profissionais que trabalham no atendimento a esse público tenham o olhar despatologizante e de acolhimento”, destacou Luciano.

Para a coordenadora da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Fernanda Benvenutty, as categorias e terminologias que caracterizam as diversidades incluídas na população LGBT precisam ser reconhecidas e afirmadas sempre, em especial as diferenças entre mulheres transexuais, travestis e homens trans. Ela enfatiza ainda que a luta por visibilidade de travestis e transexuais se deu mais fortemente pelo imprescindível papel político do movimento social das travestis. “A nossa luta não pode parar, temos o desafio de combater a criminalização do movimento social e da população trans. Destaco aqui a importância de profissionais do Serviço Social, que considero a porta de entrada no atendimento à nossa população e no fortalecimento de nossa presença na formulação e na execução das políticas publicas no Brasil”, avaliou Fernanda. Em seguida, quem contribuiu com o debate na mesa foi a representante do Coletivo LGBT Comunista, Amanda Palha, que fez uma crítica ao que chamou de “fetiche desumanizante do estudo da população trans enquanto simples objeto teórico”. “Acredito que a formação teórica é fundamental, mas deve ser direcionada para a realidade objetiva, para as demandas da realidade social das pessoas trans, que estão aí, sofrendo todo tipo de violência cotidianamente e exigem seus direitos”, avaliou ela. Para Amanda, o uso das nomenclaturas corretas é essencial para evitar maquiar as necessidades concretas que a população trans apresenta na sociedade.

Quem concluiu o debate na mesa foi a assistente social e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Cristina Brites, que pontuou a defesa do Serviço Social com respostas profissionais de afirmação da luta constante pela emancipação humana, com base nos valores e princípios ético-políticos historicamente construídos pela profissão no Brasil. “Isso significa garantir a vida plena de sentido, o que envolve o atendimento das necessidades das pessoas trans, a liberdade de expressão em todas as dimensões, a democracia e o respeito, no sentido pleno do termo”, disse a professora. Ela finalizou, afirmando que a vinculação do trabalho profissional de assistentes sociais vincula-se ao combate de toda violação de direitos, de opressão e submissão ao outro. “Daí a necessidade de, no âmbito de uma resposta profissional, se ter a individualidade afirmada, na direção da ampliação dos direitos”, acrescentou a assistente social. A última mesa do seminário trouxe a síntese do conteúdo apresentado nas mesas e nos debates dos dois dias, tendo como relatoras as assistentes sociais Marlene Merisse, que é conselheira do CFESS, e Marylucia Mesquita, que representa o Conselho Federal no Conselho Nacional de Combate à Discriminação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD-LGBT). Participantes se emocionam O seminário “Serviço Social e Diversidade Trans” se tornou um marco histórico da profissão no Brasil. Além dos ricos debates trazidos, o Conjunto CFESS-CRESS priorizou a contratação de trabalhadores e trabalhadoras trans na equipe que deu apoio durante todo o evento, no sentido de valorizar a população trans, abrir espaço de trabalho e lhes dar visibilidade.

Ainda, na organização do seminário, homens trans, mulheres transexuais e travestis puderam contribuir na elaboração das mesas, debates e programação. Uma delas foi a assistente social Fernanda de Morais, que considerou fundamentais e pertinentes as reflexões realizadas no evento. “Reafirmo nosso desafio de, com o apoio do Serviço Social, ampliar a luta pelos direitos da população trans, cuja dura realidade de vida tivemos exemplos aqui. Tomamos ciência de que essas pessoas são seres humanos com demandas, necessidades, que exigem direitos, dignidade e respeito”, avaliou. Para a vice-presidente do CFESS, Esther Lemos, que esteve na mesa de encerramento, o evento foi um marco histórico para o Conjunto CFESS-CRESS e para o Serviço Social brasileiro, que, a partir da deliberação do 43º Encontro Nacional, “mais uma vez ousou realizar um seminário aberto, gratuito e participativo, oportunizando o acúmulo e a socialização do conhecimento produzido e da intervenção profissional comprometida com os direitos da população LBGT”. Ela acrescenta que a comissão organizadora, tendo a direção da Comissão de Ética e Direitos Humanos do CFESS e do CRESS 9ª Região – SP, “estão de parabéns pela excelente programação e conteúdo abordado nos dois dias, motivando-nos a continuar na luta exigindo dignidade e respeito à população trans”. Como foi expresso por uma das participantes durante as intervenções, “os/as participantes do evento saem mais humanas e humanos deste seminário, para seguir avançando na luta cotidiana”.