Nota de Repúdio à decisão do STF sobre corte de ponto durante greve no serviço público, aprovada na Assembleia Docente da Uerj em 9/11/2016

 

Em 1965, a ditadura aumentou de 11 para 15 o número de Ministros do Supremo Tribunal Federal. Envergonhado, o regime militar ainda não cassava juízes da mais alta corte do país como em 1968, mas aumentou o número para garantir “cobertura” jurídica para suas ações.

Em 2016, parece que os Ministros do STF – diferentemente de Victor Nunes, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva que resistiram aos “anos de chumbo” – aderiram ao golpe jurídico e parlamentar que, acima de tudo, é contra os direitos trabalhistas.

No mês de outubro, a partir da argumentação retórica do voto do Ministro Dias Toffoli, iniciado com reflexões sobre o direito de greve em Ramsés III, o tribunal escreveu uma das mais tristes páginas da sua história.

 O Plenário do STF decidiu na sessão de 21.10.2016, no Julgamento do Recurso Extraordinário 693456, por 6 votos a 4, que a Administração Pública deve fazer o corte do ponto de trabalhadoras e trabalhadores em greve, admitindo a possibilidade de eventual compensação dos dias parados mediante acordo.

Tal decisão é uma clara violação ao direito de greve dos servidores. O desconto é aplicado de antemão pelo Administrador sem qualquer tipo de discussão sobre a legalidade do movimento. Tal discussão se dará apenas a posteriori, no momento da negociação coletiva da compensação dos dias parados, que não serão descontados, caso o Judiciário entenda que comportamento ilícito do Poder Público motivou a greve.

Em resumo, a nova regra reforça relações desiguais e assimétricas que obstaculizam o direito à liberdade de se associar e reivindicar por melhores condições de trabalho e de vida. Se, de um lado, há presunção permanente de suposto abuso por parte das trabalhadoras e trabalhadores (que terão seu ponto imediatamente cortado), de outro, supõe-se a priori a licitude do comportamento do Poder Público (que só será questionado em juízo).

Para surpresa de todos, essas páginas também foram escritas por dois Professores da UERJ, cerca de três meses depois que fizemos uma das greves mais importantes de nossa história recente, que mobilizou intensamente toda a comunidade.

O Professor Barroso foi taxativo ao afirmar que “A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos.”

A inovação jurídica surpreende, mas também entristece. Não há fundamento legal para punir o servidor que exerce um direito.

Se o artigo 45 da LEI Nº 8.112, DE 11 DE DEZEMBRO DE 1990 – Leis dos Servidores Públicos Federais – diz que “Salvo por imposição legal, ou mandado judicial, nenhum desconto incidirá sobre a remuneração ou provento”, quais os motivos de uma inovação ilegal e inconstitucional?

A resposta parece estar na frase do Ministro Fux: “O que ocorre, numa visão realista, é que nós estamos num momento muito difícil e que se avizinha deflagrações de greve e é preciso estabelecer critérios para que nós não permitamos que se possa parar o Brasil”.

Em sua história, a UERJ se destacou como um espaço de reflexão e enfrentamento dos problemas sociais existentes no Brasil. Seu pioneirismo na adoção da política de cotas é um marco para o ensino superior do país. Se, todavia, os cortes governamentais continuarem, as conquistas alcançadas nos últimos anos correm o risco de se tornarem palavras vazias, abrindo-se um precedente terrível, que ameaça a qualidade e a própria existência da universidade pública.

Era de se presumir que todos aqueles que trabalham e lutam em defesa da UERJ teriam consciência dos perigos eminentes de sufocamento da universidade pública e da destruição de suas conquistas, bem como da necessidade de lutar, resistir, paralisar e fazer uso da greve contra essa ofensiva. Mas infelizmente, conforme a lógica do próprio STF, as presunções só servem para deslegitimar o direito daqueles que possuem essa consciência.

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