Em 23 de dezembro de 2024, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) aprovou a Resolução 258 cujo objetivo é garantir que crianças e adolescentes vítimas de violência sexual tenham seus direitos assegurados pelo Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA). É importante ressaltar que o CONANDA é órgão de controle social e composição paritária na defesa de direitos na área da infância e adolescência, que tem como atribuição prevista na Lei nº 8.242/1991: “elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente”.

A referida Resolução é um marco de suma importância para crianças e adolescentes no que tange a sua compreensão como sujeitos de direitos dentro da nossa sociedade, indicando meios para sua escuta de forma humanizada e qualificada, evitando revitimizações e proporcionando o acesso à informação sobre seus direitos, dentre eles, a assistência à interrupção legal da gestação – ou seja, naqueles casos já previstos em lei: gestação decorrente de violência sexual, risco de vida para a pessoa gestante e/ou gestação de fetos anencéfalos e incompatíveis com a vida.

É fundamental resgatar que Dados do Mapa da Violência 2025 indicam um aumento do número de notificações de violência dessa natureza. De acordo com essa publicação, a violência familiar contra crianças e adolescentes é a mais prevalente em todas as faixas etárias, sendo a residência o local de maior ocorrência.

Na mesma direção, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2025), ao tratar da violência contra crianças e adolescentes aponta para um aumento dos casos de violência sexual contra o público infanto juvenil, com predominância na faixa etária entre 10 e 13 anos. De acordo com o levantamento, a maior parte dos estupros e estupro de vulnerável ocorreu no ambiente doméstico, com 67,9% dos casos envolvendo crianças e adolescentes.

Nesse sentido, é imprescindível que o CONANDA, no uso de suas atribuições, regulamente sobre os procedimentos que deverão ser adotados pelo Sistema de Garantia de Direitos no atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.

Contrariamente a essa defesa, o Projeto de Lei nº 03/2025 (PDL) visa anular os efeitos da referida Resolução, reduzindo-a a uma concepção em torno da interrupção da gestação que desconsidera o contexto de violência a que muitas meninas estão sujeitas.

Sob argumentos conservadores que têm a aparência de compromisso com a defesa da família e da vida, o PDL nº 03/2025 ignora intencionalmente a defesa da vida de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, retroage no entendimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, ataca a autonomia e atribuição prevista em lei do CONANDA e distorce o real objetivo da Resolução 258/2024.

Nesse cenário, é importante destacar que o conjunto CFESS/CRESS, tem se comprometido com a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos dada a sua importância na construção de uma ordem societária sem dominação de classe, gênero, raça/cor/etnia. De acordo com CFESS (2023): “Assistentes sociais têm atuação profissional estratégica no atendimento de qualidade para as pessoas que têm direito ao aborto legal, como mulheres, crianças, adolescentes e demais pessoas que gestam, vítimas de violências sexuais.”

Reforçamos nosso posicionamento ético e político diante dessa realidade a partir da perspectiva de justiça reprodutiva, que sinaliza que “o acesso precário às políticas básicas como educação, segurança alimentar e trabalho, por exemplo, impede que as mulheres façam as suas escolhas reprodutivas com liberdade e autonomia” (CRIOLA, 2021).

Cabe destacar que o racismo patriarcal cisheteronormativo se coloca como base para as violações dos direitos de meninas, mulheres (cis e trans) negras e indígenas, grupos sociais que mais morrem em decorrência de abortos realizados em condições sanitárias precárias.

O conjunto CFESS/CRESS tem investido esforços no que se refere à defesa da vida de crianças e adolescentes invisibilizadas pela violência doméstica, inclusive a sexual. O CRESSRJ, por meio de suas comissões precípuas, temáticas, núcleos de base e comitês tem buscado incidir nessa frente, em articulação com demais órgãos como o Fórum Maternidades, Uso de Drogas e Convivência Familiar, o Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA-RJ), o Conselho Estadual de Direitos Humanos, o Conselho Estadual dos Direitos da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Intersexos do Estado do Rio de Janeiro (CELGBTI+/RJ), o Fórum de Saúde e a Rede de Assistentes Sociais pelo Direito de Decidir, que contam com a participação orgânica de sua base, bem como com representações externas.

Diante do exposto, o CRESS Rio de Janeiro reforça a recusa do arbítrio e do autoritarismo, assim como a defesa intransigente dos direitos humanos, sobretudo de crianças e adolescentes que gestam, não por sua capacidade de decidir, mas em virtude da violência sexual da qual são vítimas: “Criança NÃO é mãe!”

CRESS 7ª Região-RJ